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Relações dopaminadas

  • Foto do escritor: Leila Von Ágape
    Leila Von Ágape
  • 8 de jul.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 19 de jul.



Vivemos numa era marcada pela procura incessante de estímulo. Nos relacionamentos, isso traduz-se em conexões rápidas, intensas, mas frequentemente superficiais. Por detrás deste padrão está um mecanismo biológico simples: a dopamina. Este neurotransmissor está associado ao sistema de recompensa do cérebro e é responsável por motivar comportamentos que nos proporcionam prazer imediato.

Quando alguém nos envia uma mensagem, elogia uma foto ou nos mostra interesse, há uma pequena descarga de dopamina. O cérebro interpreta isso como uma recompensa e passa a desejar mais. Este ciclo de estímulo e resposta torna-se viciante. Procuramos a próxima novidade, o próximo "match", a próxima confirmação de que somos vistos, desejados ou escolhidos.

As aplicações de encontros reforçam esta lógica. Cada deslizar de dedo é uma aposta num reforço positivo. Cada notificação ativa o circuito da dopamina. O vínculo humano transforma-se numa transação breve de atenção e validação. A relação deixa de ser um espaço de construção e torna-se uma sequência de picos emocionais seguidos de afastamento ou desinteresse.

Nesta dinâmica, o compromisso é frequentemente evitado. A estabilidade emocional, que exige presença, paciência e tolerância à rotina, parece desinteressante quando comparada com a excitação de algo novo. A tolerância ao desconforto emocional, por sua vez, é cada vez menor. Em vez de lidar com conflitos ou frustrações, as pessoas desaparecem, substituem, seguem em frente. O outro torna-se descartável sempre que deixa de gerar dopamina.

Este padrão tem consequências. Muitos sentem-se exaustos, ansiosos ou emocionalmente dormentes. Há uma sensação de estar constantemente em busca de algo que nunca se concretiza. A relação deixa de ser lugar de encontro e passa a ser palco de performance. O foco já não está no outro, mas na sensação que o outro nos provoca.

Talvez a questão não seja moral, mas neurológica. Não é apenas sobre escolha, é sobre química. E talvez seja este o ponto de viragem: tomar consciência do que nos move para poder decidir com mais clareza. Dopamina pode iniciar um encontro, mas só a presença, a vulnerabilidade e o tempo podem sustentar uma relação.

Mas essa presença não acontece por acaso. É treinada. Através da meditação, aprendemos a observar sem reagir, a estar com o que é, sem fugir para o próximo estímulo. Treinar a mente para estar presente é o primeiro passo para relações mais conscientes, menos movidas por dopamina, mais sustentadas por verdade, paciência e profundidade. Num tempo em que tudo nos empurra para o imediatismo, a presença é prática diária. E é o que pode fazer a diferença entre repetir o ciclo ou sair dele.

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Leila Von Ágape

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